19 resultados para Deus enganador
em Universidade de Lisboa - Repositório Aberto
Resumo:
O objecto deste estudo teve a intenção de apresentar algumas afinidades de linguagem e de raciocínio entre o segundo livro do De libero arbitrio de Santo Agostinho e os primeiros três capítulos do Proslogion de Santo Anselmo, a respeito da prova da existência de Deus. Com efeito, para a maior parte dos augustinianos, e até mesmo dos anselmianos, há verdadeiramente uma filiação do pensamento de Santo Anselmo em Santo Agostinho. Podemos dizer que Anselmo de Cantuária é o principal propagador, ainda que de uma forma inovadora, de um certo pensamento augustiniano, que se reflecte na sua obra e, nomeadamente, no Proslogion. Esta influência denota, ao mesmo tempo, uma proximidade textual e conceptual, de que é a fonte criadora para o monge de Bec. De facto, para bem destrinçar os antecedentes do pensamento anselmiano, é preciso encontrar os princípios de formulação racional, que são semelhantes em Anselmo e Agostinho. Ora, foi nisso que consistiu o nosso trabalho, tanto mais que, entre os trabalhos existentes, assiste-se a uma abordagem menos desenvolvida a este propósito.
Resumo:
O presente texto analisa as formas como Pedro Abelardo e S. Bernardo apresentam Deus para verificar se elas são conflitantes ou não. Enquanto que Pedro Abelardo propõe a possibilidade do conhecimento de Deus por via racional a partir de argumentos cosmológicos e da investigação sobre os atributos divinos, Bernardo de Claraval refuta o uso da lógica/dialética para o conhecimento de Deus. Se bem que S. Bernardo também vê na consideração sobre as coisas criadas e nos atributos divinos um modo de conhecimento de Deus, coloca-os, no entanto, em um nível abaixo e desnecessário em comparação ao conhecimento de Deus obtido pela contemplação e assemelhação do homem por meio da conversão do coração à imagem de Cristo. Tais modos divergentes de apresentar a possibilidade do conhecimento de Deus podem estar como base para as divergências teológicas entre S. Bernardo e Pedro Abelardo.
Resumo:
O nosso objectivo é reflectir sobre o tema de “Transcender Deus”, enquanto núcleo essencial da demanda e viagem espiritual e mística, em Mestre Eckhart e Angelus Silesius. Comentamos afirmações como “Por isso rogamos a Deus que de “Deus” nos livremos” (Eckhart) e “Devo ir ainda além de Deus, para um deserto” (Silesius), situando-as no contexto da experiência e tradição neoplatónicas. Por fim, interrogamo-nos se não poderíamos surpreender aqui uma anterior e mais radical “morte de Deus”, onde a religião é simultaneamente cumprida e ultrapassada pela espiritualidade mística. Este poderia ser o outro lado da “morte de Deus” proclamada por Nietzsche.
Resumo:
In democracy, the people take the place of a single and universal God. Since the first democracy’s modern theorizations there is a tendency to give the people the (not) attributes of a single god. This abstraction of features allows the people to include all the differences and particularities and then universalizes itself as the source and foundation of all power. The people in democracy are not only innate, uncaused, immortal, incorporeal, unextended, are omnipresent, omniscient (or infallible) and omnipotent – negative attributes as well. The people have also virtues that have been established as human, which, because sacralized, sublimated, are negative attributes as well. The only positive feature of the people, to be full age, reveals its functional nature. The voice of the people is the voice of a God. Therefore the single God creates over his voice, the people creates in an election result. In democracy, this voice creates in an infallible way.
Resumo:
Numa revisitação do Proslogion anselmiano, busca-se tentar descodificar a sua complexidade em função das duas vertentes razão e mística, positividade e negatividade. Inserindo-se o texto numa linha de interioridade nítida, nele ressalta o significado da formulação do célebre argumento, encontrada a esse nível, para tentar expressar Deus e demonstrar lógica e rigorosamente, em toda a plenitude da razão, a sua necessária existência, como caso único e excepcional: aliquid quo nihil maius cogitare possit. Pode afirmar-se que o raciocínio no seu encadeamento racional se estrutura sem falhas, afastando qualquer confusão entre o nível do conceptual e do real, chegando a uma conclusão necessária e irrefutável, se se aceitarem os mesmos pontos de partida. A utilização dos termos aliquid e id impede que essa formulação possa ser considerada como definição ou conceito, fechados em si mesmos, tal como a sua expressão de negatividade, na sua indeterminação, desvela uma necessidade urgente e contínua do racional se ultrapassar a si mesmo, num caminho de algo apenas pressentido. Esta perspectiva, que se conexiona em última análise com a perspectiva dupla da própria Revelação como desocultação/ocultação, projecta-se no próprio texto, o qual como que se cinde a partir do capítulo XIII, na análise dos atributos de Deus, deixando de lado uma via de positividade que se esgota e abrindo-se à negatividade. Se a ratio pode argumentar, concluir e chegar à descoberta de um argumento estruturado e coerente, com amplitude universal, apercebe-se, igualmente, das suas limitações. O alargamento máximo das capacidades da razão para chegar a Deus, não basta a Anselmo, já que experiencia, paralelamente, o seu desespero em não conseguir ver a Sua face. É essa tensão subjacente a todo o texto do Proslogion e mais claro ainda nos últimos capítulos, que desvela a dialéctica da razão e da mística, interagindo, sem que se misturem os seus processos, os seus métodos e as suas linguagens, desencadeando, afinal, uma busca sempre inconclusa do Absoluto. Este dinamismo processual de forças em presença que, mergulhando as suas raízes nos Platonismos clássicos transmutados pela Patrística, virá a aflorar, claramente, na mística especulativa do século XII, marca fundamente o pensamento medieval. Com efeito, nele estão sempre presentes, um entendimento lúcido da razão e a confiança nas suas capacidades especulativas, e, paralelamente, o reconhecimento claro da sua relatividade e o apelo de uma Presença pressentida mais do que pensada. Assim a razão é impedida de se fechar em círculo, já que tenta, sempre, chegar ao Absoluto que não a determina, mas que a motiva incessantemente, para além do humano.
Resumo:
O Opúsculo em favor do insensato de Gaunilo constitui uma cerrada discussão filosófica da expressão “esse in intellectu” (existir no intelecto), ponto determinante do argumento construído por Anselmo no Proslogion II-III para demonstrar a verdade da existência de Deus a partir da existência no intelecto da sua definição enquanto “algo maior que o qual nada pode ser pensado”. Analisam-se aqui as razões de Gaunilo e as suas concepções de intelecção e de cogitação para desmontar o ponto de apoio principal do argumento de Anselmo, que, por sua vez, respondeu ao seu crítico com um Livro apologético. Indaga-se, em consequência, a clarificação por Anselmo sobre a intellectio e a cogitatio e se nela os dois conceitos são reposicionados para evitar as críticas de Gaunilo e assim continuar a manter que a razão, por si mesma, sem auxílio da experiência ou da fé, pode obter a certeza da existência que refuta o dito do insensato “Deus não existe”.
Resumo:
Pode-se dizer que o Proslogion é uma meditação sobre o ser de Deus, realizada por um espírito que busca entender aquilo que inicialmente crê. Sua articulação conceitual é comandada pela presença do argumento único, que ao reconhecer que Deus é, aponta igualmente o modo pelo qual a criatura pode conceber algo de apropriado a respeito dele. O Proslogion nos oferecerá um caminho para pensar o sentido da busca de ‘razões’ no domínio exclusivo da fé, do esforço da palavra humana para encontrar aquilo que já fora dito por uma outra palavra. O objetivo deste estudo é considerar o sentido dessa racionalidade, do papel exercido pela razão no interior da inteligência da fé. Na primeira parte, aponto a tripla constituição do Proslogion, como exortação (excitatio), prova (probatio) e alegria (gaudium) final esperada pelo homem. Na segunda parte, indico o debate sobre a cogitatio humana, formulado na crítica de Gaunilo ao argumento e a conseqüente réplica de Anselmo.
Resumo:
O lema sola ratione, que preside a todo o pensamento de Santo Anselmo, gera vários momentos de audácia racional na sua obra, o primeiro dos quais emerge no Monologion onde, a par de uma procura racional acerca da existência e atributos de Deus, deparamos com uma abordagem da perspectiva trinitária sem recorrer à Revelação, tal como os monges lhe tinham solicitado. Esta é, portanto, a primeira audácia da sua obra, a preceder e como que a preparar a maior delas acerca da existência de Deus no Proslogion, Liber Apologeticus e, finalmente, Cur Deus Homo. Unam quidem et unitatem propter unam essentiam, trinam vero et trinitatem propter tres nescio quid (Mon., cap. 79): à luz desta expressão de inefabilidade não poderá deixar de ler-se o que a precede e o que se lhe segue, quer nesta primeira grande obra, quer naquelas em que o tema do mistério trinitário foi tratado ou discutido.
Resumo:
Com base em De musica de Santo Agostinho e em De veritate de Santo Anselmo, propõe-se a articulação do conceito agostiniano numerus com o conceito anselmiano rectitudo. Embora pertençam a idiolectos distintos, e apesar dos sete séculos que separam os textos em questão, numerus e rectitudo apresentam um mesmo valor de síntese e um mesmo modo de existência que é, simultaneamente, causa e medida de conformidade das coisas em relação à essência da qual provêm. A articulação destes conceitos constituirá, pois, a base para uma análise do papel dos sentidos na percepção dos elos divinos presentes no mundo sensível e na capacidade humana de conhecer Deus.
Resumo:
No De Trinitate, Severino Boécio apresenta a divisão tríplice da ciência especulativa e mostra que, apesar das ciências naturais, das ciências matemáticas e da teologia partilharem o mesmo objecto primário – a forma –, distinguem-se pelo modo como o encaram. A teologia considera intelectualmente a verdadeira forma, que se identifica com a substância divina, com o ser mesmo e é fonte do ser. A substância divina é pura forma, forma sem matéria, perfeitamente una e simples e é esta simplicidade que permite afirmar que Deus est id quod est (tomado aqui como significando essência ou forma total). Há, em Deus, uma identidade entre ser e forma que não pode ocorrer nas criaturas. Enquanto seres compostos por matéria e forma, as criaturas devem o seu ser às partes que as compõem e são estas partes conjuntamente (nunca separadamente); a forma é, assim, apenas uma parte da realidade total e, por isso, não há uma identificação entre forma e essência. A forma da criatura é a fonte do seu ser, mas não se identifica com o seu ser; ela deriva da forma que existe à parte da matéria e, como tal, deve ser apenas considerada como imagem da verdadeira forma. Salvaguardando-se que, neste tratado, Boécio não pretende expressar a diferença entre essência e existência, é contudo possível estabelecer um paralelo entre este escrito e o De Hebdomadibus (um paralelo que exige algum cuidado e adaptação terminológica). Ao afirmar que esse e id quod est são idênticos no ser simples e diversos no ser composto, Boécio volta a enunciar a diferença e oposição ontológica entre simplicidade e composição.
Resumo:
Guilherme de Auxerre (†1231), mestre de teologia na Universidade de Paris, foi o procurador do Papa Gregório IX da Bula Parens scientiarum. O mesmo Papa nomeou-o, por carta de 23 de Abril de 1231, presidente da comissão encarregada de examinar os livros de Aristóteles e depurar a doutrina nociva para a fé cristã neles contida. Escreveu a Summa Aurea, seguindo a estrutura do Liber Sententiarum de Pedro Lombardo, mas com uma ordo disciplinae própria. O seu pensamento inscreve-se na corrente platónico-agostiniana, abrindo-se prudentemente à novidade do aristotelismo. Na senda da fides quaerens intellectum, o mestre Guilherme trata, pela primeira vez numa suma teológica, o problema da relação fé-razão. Assim as rationes humanae, enquanto procuram o conhecimento das coisas divinas, são as rationes theologicae e não as rationes propriae rerum naturalium, tal como o exige a natureza do objecto de conhecimento da ciência teológica. Assumindo a dialéctica da grandeza do Doutor Magnífico, apresenta no início da Summa Aurea quatro provas da existência de Deus, fundadas em argumentos filosóficos. O quarto argumento é do magister Anselmus Cantuariensis: Intelligibile est aliquid quo maius excogitari non potest…. E se lhe perguntarmos pelo papel da razão no âmbito da teologia, ele responde: a razão humana garante, efectivamente, a validade do entendimento reflexivo, e a credibilidade do conhecimento das coisas divinas no quadro de uma escala qualitativa das possibilidades noéticas do ser humano.
Resumo:
Henrique de Gand foi um leitor atento e crítico de Santo Anselmo. O presente artigo persegue essa relação, mormente para o caso do argumento anselmiano, mas prefere apostar numa leitura do argumento metafísico de Henrique, tal como o apresentou J. Gómez Caffarena, a fim de concluir que, mais do que um problema de Deus, em filosofia, importa falar do mistério de Deus.
Resumo:
Admitindo que Deus é humanamente cognoscível, não em si, mas em conceito, Guilherme de Ockham reflecte com acuidade sobre a natureza dos conceitos que formamos acerca de Deus. Aí detectamos a reelaboração de elementos anselmianos, como a associação e a dissociação entre os conceitos de supremo e de insuperável. Ponderando, aliás, sobre os conceitos constituintes da proposição «Deus existe», o filósofo franciscano pronuncia-se a favor da sua demonstrabilidade. Neste enquadramento, insere-se a recepção do argumento anselmiano, ao qual Guilherme chama ratio Anselmi, na esteira de João Duns Escoto. É, de facto, por mediação do Doutor Subtil, que o filósofo de Ockham retoma criticamente o mais revisitado legado do Doutor Magnífico. Duns Escoto tinha adoptado a ratio Anselmi, de Proslogion 2, como um argumento a favor da infinitude de Deus. Guilherme é um crítico incisivo das vias escotistas de demonstração do atributo divino da infinitude, mas não afasta completamente a possibilidade de demonstrar a existência de um insuperável finito, na esteira da interpretação escotista da ratio Anselmi.
Resumo:
O propósito deste trabalho é mostrar alguns aspectos que caracterizam a leitura que os filósofos analíticos dos anos 60/70, do século passado, fizeram do argumento do Proslogion de Santo Anselmo trazendo, deste modo, uma nova luz a esta problemática. Tiveram também o mérito de inscrever a questão da existência de Deus no âmago da filosofia analítica até aí dominada pelo ateísmo. Na Introdução salientamos as objecções analíticas mais frequentes feitas ao argumento – (i) a existência não é um predicado (ii) o conceito de Deus é incoerente (iii) a existência não é perfeição. Anscombe – uma excepção no contexto analítico – defendeu e demonstrou a tese de que o argumento não é ontológico. Malcom descobriu dois argumentos no Proslogion: um no Capítulo II que considerou inválido, outro no capítulo III que considerou válido e interpretou como modal. Plantinga foi um dos primeiros críticos desta prova modal porque o autor confundia entre necessidade de dicto e necessidade de re. Plantinga pensou que os dois argumentos se implicavam e\ou complementavam e desenvolveu uma teoria do realismo modal através da qual explica a natureza e a necessidade divinas em termos de mundos possíveis. Baseado neste conceito reelaborou uma nova prova modal que considerou “victoriosa” mas que veio mais tarde a ser refutada por Mackie, Tooley e David (entre outros) e acusada de circularidade. Plantinga não aceitou que a sua prova fosse reconhecida como falaciosa e Oppy também não aceitou a mesma reclamação expressa por Fergie. Contudo, Plantinga refez a sua prova e condensou-a numa única premissa: “a máxima grandeza é possivelmente instanciada”. Mais do que uma prova da existência de Deus trata-se de uma defesa da aceitação do teísmo, uma justificação da racionalidade da fé. E a possibilidade de existência de um ser metafisicamente necessário impõe-nos uma reflexão profunda donde se podem extrair todas as potencialidades cognoscitivas do labor do filósofo.
Resumo:
O liberum arbitrium, para Santo Anselmo, não pode residir no poder permanente de pecar e de não pecar (posse peccare et non peccare), porque tal definição tornaria inútil «a graça, a predestinação e a presciência de Deus» (DLA, I, 207, 1-2). Por outro lado, se nós não tivéssemos sempre essa potestas, o pecado não poderia ser-nos imputado porque nós pecaríamos «sine libero arbitrio». Procurando separar esta alternativa, que lhe parece armadilhada, Santo Anselmo busca uma definição de libertas arbitrii independente do poder negativo de pecar (potestas peccandi) e, a partir da distinção entre voluntas propter se (instrumentum volendi) e voluntas propter aliud (usus sive opus volendi), julga encontrá-la na seguinte: a libertas arbitrii é «o poder de guardar a rectitude da vontade pela própria rectitude» (DLA, III, 212, 19-20: «potestas servandi rectitudinem voluntatis propter ipsam rectitudinem»), poder que exprime a exacta e positiva noção da «justiça original». À luz de tal definição transcendental de libertas arbitrii, comum a Deus, aos anjos e aos homens, pode Anselmo avançar a tese teologicamente mais ousada do opúsculo: nem Deus, apesar de poder «reduzir a nada uma substância que Ele fez do nada», é capaz de «separar a rectidão de uma vontade que a possui» (DLA, VIII, 220, 13-15).