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Resumo:
A acidemia glutárica do tipo I (AG I) é um erro inato do metabolismo causado pela deficiência da glutaril-CoA desidrogenase (GCDH), uma enzima responsável pelo catabolismo da lisina, hidroxilisina e triptofano. A deficiência da atividade da GCDH leva ao acúmulo nos fluidos corporais e no cérebro predominantemente de ácido glutárico (AG) e em menor grau do ácido 3- hidroxiglutárico e do ácido glutacônico. Clinicamente, os pacientes apresentam macrocefalia ao nascimento e uma hipomielinização ou desmielinização progressiva do córtex cerebral. Crises de descompensação metabólica ocorrem usualmente entre 6 e 24 meses de vida, resultando numa destruição irreversível de regiões cerebrais suscetíveis, em particular o estriado, e subseqüentemente alterações severas dos movimentos, como distonia e discinesia. Apesar dos sintomas neurológicos severos e alterações neuropatológicas cerebrais importantes (atrofia cerebral), os mecanismos que levam ao dano cerebral na AG I são pouco conhecidos. No presente estudo, investigamos o efeito in vitro do AG sobre vários parâmetros do sistema glutamatérgico, tais como a união de glutamato a membranas plasmáticas sinápticas na presença e ausência de sódio, a captação de glutamato por fatias cerebrais e a liberação de glutamato induzida por potássio por preparações sinaptossomais de córtex cerebral e estriado ou cérebro médio de ratos ao longo do desenvolvimento. Primeiro, observamos que o AG diminui a união de glutamato Na+-independente a membranas sinápticas de córtex cerebral e cérebro médio de ratos de 7 e 15 dias de vida, evidenciando uma possível competição entre o glutamato e o AG por sítios de receptores glutamatérgicos. Visto que uma diminuição da união de glutamato Na+- independente pode representar uma interação do AG com receptores glutamatérgicos, investigamos se AG interage com receptores glutamatérgicos pela adição de antagonistas de receptores NMDA e não-NMDA. Verificamos que, em córtex cerebral de ratos de 15 dias de vida, o AG e o CNQX (antagonista de receptores não-NMDA) diminuem a união de glutamato em 20 e 40 %, respectivamente, e que a co-incubação desses compostos não provoca um efeito aditivo, sugerindo que a união do AG e do CNQX ao receptor não-NMDA ocorre provavelmente através do mesmo sítio. Resultados semelhantes foram encontrados em cérebro médio de ratos de 15 dias de vida. Por outro lado, o AG não alterou a união de glutamato na presença de sódio tanto em córtex cerebral como em cérebro médio e/ou estriado, sugerindo que o AG não compete pelos transportadores de glutamato. Também observamos que o AG diminui a captação de glutamato por fatias de córtex cerebral de ratos de 7 dias de vida, o que pode provavelmente resultar num excesso de glutamato na fenda sináptica levando à excitotoxicidade, o que pode ser relacionado com o dano cerebral característico dos pacientes com AG I. A inibição da captação de glutamato por fatias não foi prevenida pela pré-incubação com creatina e N-acetilcisteína, sugerindo que essa ação do AG provavelmente não se deva a um efeito indireto reduzindo o metabolismo energético ou aumentando a produção de radicais livres. Finalmente, verificamos que o AG não alterou a liberação de glutamato estimulada por potássio por sinaptossomas. Assim, concluímos que o AG pode alterar o sistema glutamatérgico durante o desenvolvimento cerebral, resultando em possíveis ações deletérias sobre o SNC que podem explicar ao menos em parte a neuropatogenia da AG I.