7 resultados para Guimarães, Ulysses, 1916-1992, biografia
em Instituto Politécnico do Porto, Portugal
Resumo:
Foi Jean-Pierre Sarrazac quem me deu o texto, aí por volta de 1985, depois de eu ter encenado o seu Lázaro também ele sonhava com o Eldorado, nas instalações dos Modestos, encenação que ele viera ver aquando da sua primeira viagem ao Porto. Disse-me que era um texto para mim. Na primeira leitura, o desejo de fazer a peça colou-se-me ao corpo. Não que pudesse antever uma experiência que me marcaria profundamente de tanto procurar dar corpo a esse ser galináceo que de ora em diante me habitaria. Ler Ella foi, na altura, a descoberta das possibilidades de um teatro que fazia do que era pobre, da infra-língua, dos neurónios desaparafusados e do corpo deficiente, a matéria de uma teatralidade insuspeitada, de um teatro ainda por fazer. Na realidade a primeira abordagem foi difícil, o francês estropiado da tradução não era de leitura imediata e a percepção que tive da relevância da peça foi mais intuitiva, mais sensação do que compreensão. O texto tornou-se mais claro pouco tempo depois ao ler Théâtres Intimes do Sarrazac, a sua tese sobre a simbiose entre o íntimo e o político como futuro do teatro e ainda as suas considerações sobre o récit de vie, “relato de uma vida” à falta de melhor tradução, no teatro de Beckett e de Achternbush. A vontade de fazer a peça foi ficando, mas a oportunidade não surgia. Tinha saído de Évora em confronto com o teatro que lá se fazia e procurava justamente essa dimensão subjectiva que me parecia necessária a um teatro da história que continuava a defender e querer praticar – Ella era para mim a revelação desse teatro, uma palavra dita na primeira pessoa, mas dita como negação do sujeito, palavra tomada de empréstimo desde logo pelo autor. Herbert Achternbusch fala de um familiar próximo: «Ella é minha tia, eu sou o seu tutor», de uma realidade em que quotidiano e história se reencontram num contínuo fluxo e refluxo de causas e consequências. Ele escutou a palavra de Ella e transpô-la para cena, fazendo do filho, Joseph, o seu fiel depositário. Duplo empréstimo, portanto, que sinaliza o mutismo e a inacção do verdadeiro sujeito do relato de vida. Se é o nome da mãe, Ella, que dá título à peça, a sua história de vida só nos chega regurgitada pelo filho que lhe está para sempre umbilicalmente ligado. A oportunidade surgiu quando a companhia de Coimbra Escola da Noite, que pretendia fazer Susn do mesmo autor, me possibilitou realizar a encenação com produção sua. Foi nesse contexto e já em 1992 que decidi fazer o espectáculo com a equipa do Teatro da Rainha, que entretanto começava a refazer-se autonomamente. A essa equipa juntava-se agora a Amélia Varejão, nome histórico do teatro português, vinda do longínquo TEP de António Pedro, mestra de costura e figura excepcional em cena que fizera connosco muitos guarda-roupas e com quem tinha uma relação de grande proximidade, amizade e respeito profissional. Pela minha parte, decidi encenar Ella e também interpretar Joseph, tarefa que teria sido impossível sem a orientação, assumida como direcção de ensaios, da Isabel Lopes, que vinha de Évora no intervalo das suas tarefas de actriz no CENDREV. O que foi esta experiência de encenação feita no corpo do Joseph? Foi fundamentalmente descobrir duas coisas: uma, o modo feminino do comportamento gestual de uma criatura que toda a vida fez trabalhos forçados, violentos, outra, a descoberta das etapas sincopadas, desfazendo as brancas mentais de uma cabeça fundida e incapaz de lógica, de raciocínio, através da memória imediata do que é gestual e físico, realizando a única acção concebida por Achternbusch para a execução da peça, fazer um café. Essa acção única, partida em mil e um fragmentos e dispersões, foi realmente construída no trabalho de ensaios como pura descoberta de jogo apoiada pela definição do espaço e pela manipulação dos objectos. Poderei dizer que encenar Ella foi descobrir a teatralidade de um corpo bloqueado por uma cabeça limitada pela deficiência desde o nascimento, deficiência essa acrescentada pela experiência de vida e pelas circunstâncias históricas. Pela sua rebeldia, a sua não conformação às soluções de aniquilamento do eu, Ella foi submetida durante toda a vida a uma tortura constante e se há uma descoberta que tenha feito com esta peça é a de que a vitalidade de uma sobrevivente não morre diante da maior repressão e a de que a rebeldia salutar pode expressar alegria vital na condição mais inumana. Nenhum ódio, nenhuma raiva e uma capacidade de surpresa perante o mais acessível e irrelevante face à biografia trágica, um moinho de café estimado e tratado como um objecto de altar, o pouco que se tem como um céu alcançado, o café, extraordinária nova possibilidade e prazer – a peça desenrola-se já a partir da sociedade de consumo e a sua retrospectiva elabora-se a partir desse presente. Um outro aspecto decisivo foi descobrir a comicidade como uma via paradoxal do trágico contemporâneo, de uma infra-tragédia que oscila entre a incontinência verbal e a afasia. Em Ella, a comicidade da palavra e do gesto não são uma via menor em termos dramáticos, pelo contrário, amplificam as possibilidades autenticamente populares da expressão linguística. E é importante referir nesta introdução a extraordinária tradução da Profª Idalina Aguiar e Melo cujo trabalho de procura dos equivalentes linguísticos do bávaro alemão de Achternbusch e da palavra deficiente, estropiada, foi notável revelando um profundo conhecimento de falares e expressões regionais e uma capacidade inventiva extraordinária da palavra agramatical e falha de lógica vinda de uma cabeça muito particular.
Transient Spaces: unsettling boundaries and norms at the cultural event Noc Noc, Guimarães, Portugal
Resumo:
Cities are increasingly expected to be creative, inventive and to exhibit intense expressivity. In the past decades many cities have experienced growing pressure to produce and stage cultural events of different sorts and to develop new strategies that optimize competitive advantages, in order to promote themselves and to boost and sell their image. Often these actions have relied on heavy public investment and major private corporation sponsoring, but it is not always clear or measured how successful and reproductive these investments have been. In the context of strained public finances and profound economic crisis of European peripheral countries, events that emerge from local communities and have low budgets, which manage to create significant fluxes of visitors and visibility, assume an increased interest. In order to reflect and sketch possible answers, we look to an emerging body of literature concerning creative cities, and we focus on the organisation of a particular cultural event and its impact and assimilation into a medium size Portuguese city. This paper looks at the two editions (2011 and 2012) of one of such events – Noc Noc – organized by a local association in the city of Guimarães, Portugal. Inspired by similar events, Noc Noc is based on creating transient spaces of culture which are explored by artists and audiences, by transforming numerous homes into ephemeral convivial and playful social ‘public’ environments. The event is based on a number of cultural venues/homes scattered around the old and newer city, which allows for an informal urban exploration and an autonomous rambling and getting lost along streets. This strategy not only disrupts the cleavages between public and private space permitting for various transgressions, but it also disorders normative urban experiences and unsettles the dominant role of the city council as the culture patron of the large majority of events. Guimarães, an UNESCO World Heritage City was the European Capital of Culture in 2012, with a public investment of roughly 73 million euro. By interviewing a sample of people who have hosted these transitory art performances and exhibitions, sometimes doubling as artists, the events’ organizers and by experience both editions of the event, this paper illustrates how urban citizens’ engagement and motivations in a low budget cultural event can strengthen community ties. Furthermore, it also questions the advantages of large scale high budget events, and how this event may be seen as unconscious counter movement against a commodification of cultural events and everyday urban experience at large, engaging with the concepts of staging and authenticity.
Resumo:
Given the significant impact that cultural events may have in local communities and the inherent organization complexity, it is important to understand their specificities. Most of the times cultural events disregard marketing and often marketing is distant from art. Thus an analysis of an inside perspective might bring significant returns to the organization of such an event. This paper considers the three editions (2011, 2012 and 2013) of a cultural event – Noc Noc – organized by a local association in the city of Guimarães, Portugal. Its format is based in analogous events, as Noc Noc intends to convert everyday spaces (homes, commercial outlets and a number of other buildings) into cultural spaces, processed and transformed by artists, hosts and audiences. By interviewing a sample of people (20) who have hosted this cultural event, sometimes doubling as artists, and by experiencing the three editions of the event, this paper illustrates how the internal public understands this particular cultural event, analyzing specifically their motivations, ways of acting and participating, as well as their relationship with the public, with the organization of the event and with art in general. Results support that artists and hosts motivations must be identified in a timely and appropriate moment, as well as their views of this particular cultural event, in order to keep them participating, since low budget cultural events such as this one may have a key role in small scale cities.
Resumo:
. Residents tend to have high expectations about the benefits of hosting a mega‐event. So, it was not surprising that the nomination of Guimarães, Portugal, as the 2012 European Capital of Culture (2012 ECOC) had raised great expectations in the local community towards its socio‐economic and cultural benefits. The present research was designed to examine the Guimarães residents’ perceptions on the impacts of hosting the 2012 ECOC approached in two different time schedules, the pre‐ and the post‐event, trying to capture the evolution of the residents` evaluation of its impacts. For getting the data, two surveys were applied to Guimarães` residents, one in the pre‐event phase, in 2011, and another in the post‐event phase, in 2013. This approach is uncommonly applied to Portugal data and it is even the first time it was done to a Portuguese European Capital of Culture. After a factor analysis, the results of t‐tests indicate that there were significant differences (p<0.05) between the samples from the pre‐ and post‐2012 ECOC on two positive impact factors (Community’ benefits and Residents’ benefits) and one negative impact factor (Economic, social and environmental costs). Respondents also showed a negative perception of the impacts in all dimensions, except Changes in habits of Guimarães residents.
Resumo:
The nomination of Guimarães to host the 2012 European Capital of Culture (ECC) has put on the agenda of the city the need of measuring the effects that the implementation of this mega event could have in it and in the municipality a whole. The balance of the benefits and costs and an extended community involvement tend to reduce negative impacts and enhance positive ones. This chapter analyzes the involvement of population and local associations in the planning and organization of the 2012 Guimarães European Capital of Culture, using the coverage made during 2011 by local and national press of the mega event. A content analysis of the news published covering the period between January and December 2011 and using three newspapers was conducted. From those, two were local and weekly newspapers and one was a national daily one. Looking to data results, it can be concluded that it was poor the community involvement and, also, the one of the cultural associations in the organizations of the 2012 ECC. A strong negative reaction to the model choose to plan the mega event conducted by official organizers was found, which has cast doubts on the desirable participation of the residents and, consequently, on the success of the mega event, especially in a perspective of a medium and long term effects.
Resumo:
A nomeação de Guimarães como Capital Europeia da Cultura (CEC), em 2012, suscitou grandes expectativas na comunidade local, nos territórios limítrofes e, de um modo geral, na população portuguesa. No entanto, muitos dos potenciais impactos são ainda pouco perceptíveis pela maior parte das pessoas, se bem que muitas delas antecipem que os impactos sejam positivos. A presente comunicação pretende aferir, de forma prospectiva, os possíveis impactos do acolhimento por Guimarães da CEC, em 2012. Por referência a experiências anteriores de organização de outras CEC, procura-se identificar alguns dos efeitos, em termos de atracção de turistas (nacionais e internacionais), das actividades culturais programadas, disponibilidades orçamentais e audiências, bem como aferir do potencial impacto económico e do legado do evento para o futuro da cidade. Com base na análise efectuada, pode concluir-se que Guimarães CEC 2012 oferece um potencial de atracção para o Norte do país e região da Galiza, possui um orçamento, por habitante, comparável a outras CEC e beneficia do empenhamento dos agentes locais. Menos positiva é a distância da cidade a dois dos principais destinos turísticos nacionais (Lisboa e Algarve), a extensão da programação cultural do evento, o fraco envolvimento dos agentes culturais locais no programa de actividades do evento e a inexistência de espaços museológicos de referência internacional. Em contrapartida, destaca-se a existência de ligações aéreas de baixo custo a várias cidades Europeias através do aeroporto do Porto, a possibilidade de reposicionar a imagem da cidade ao nível nacional e internacional, a disponibilização de fundos para a revitalização urbana do centro histórico e o aumento esperado do número de turistas (nacionais e estrangeiros). A recessão económica (nacional e Europeia), as dificuldades orçamentais, a pouca ambição da política de angariação de patrocínios e de recursos financeiros privados e a sustentabilidade do evento no futuro são algumas ameaças que poderão comprometer o sucesso de Guimarães CEC 2012