A intimidade afetiva e sexual na imprensa em Portugal (1968-1978)

Tese de doutoramento, Sociologia (Sociologia da Cultura, Comunicação, e Estilos de Vida), Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2016

Esta tese questiona a mudança social da intimidade na sociedade portuguesa de transição da ditadura para a democracia, recorrendo a uma análise de conteúdo combinada (quantitativa e qualitativa) dos discursos em torno dos afetos e sexualidades agendados na imprensa entre 1968 e 1978. A análise extensiva foca a evolução diacrónica do tema em mais de 1 500 artigos sobre intimidade publicados no Expresso, Diário de Lisboa, Modas & Bordados e Crónica Feminina. A análise compreensiva incide sobre uma discussão de leitoras da Modas & Bordados, que tem lugar entre 1975 e 1976, após a revista divulgar a narrativa autobiográfica de uma adolescente (Gisela, 15 anos), que afirma ter feito amor na noite do 25 de Abril de 1974. As cartas de apoio e censura que chegam à redação, debatem a legitimidade da sexualidade pré conjugal, questionam limites e correlações entre liberdade política/liberdade sexual, entre público/privado, entre pessoal/político. O estudo de caso do Dossier Gisela facilitou-nos a identificação e interpretação de perspetivas modelares – sincrónicas – das vivências afetivo-sexuais neste período de transição, marcado internacionalmente por tendências de permissividade, inspiradas em movimentos feministas e homossexuais, mas também nas novas propostas de representação do corpo, afetos e sexualidades, que proliferam no cinema e literatura. Identificamos em Portugal (entre 1968 e 1978) um aumento e diversificação dos discursos afetivo-sexuais na agenda mediática, alguns deles transgressivos (do modelo repressivo veiculado no/pelo Estado Novo) e reivindicativos de novas formas de cidadania da intimidade (Weeks, 1998; Plummer, 2003a). Estas tendências de mudança ao nível dos afetos e sexualidades afirmam-se sobretudo em certos momentos, em determinadas esferas mediáticas (mais sensíveis às questões da igualdade de género), e em matérias específicas – sexualidade pré conjugal, pornografia e aborto –, potenciadoras de maior tensão, conflito e diálogo entre visões progressistas e conservadoras.

Using a survey that combines quantitative and qualitative content analysis of affective and sexual discourses published in the press between 1968 and 1978, this thesis studies the social change of intimacy in the Portuguese society in transition from dictatorship to democracy. The extensive analysis focuses the diachronic evolution of the issue of intimacy in more then 1,500 articles published in the general newspapers Expresso and Diário de Lisboa and in the women's magazines Modas & Bordados and Crónica Feminina. The comprehensive analysis focuses a debate maintained by the readers of Modas & Bordados between 1975 and 1976, after the publishing of an autobiographical short story, in which a teenager (Gisela, 15 years old) reveals her sexual initiation in the night of the Carnation Revolution. In the letters supporting and criticizing Gisela sent to Modas & Bordados, the readers discuss the legitimacy of pre marital sex, debate the boundaries and correlations between political freedom/sexual freedom, public/private, personal/political. This case study allows us to identify and comprehend synchronous perspectives on the way intimacy was viewed and experienced in this period, internationally inspired by feminist and homosexual rights movements but also stimulated by new proposals on representing the body, affections and sexualities in markets such as cinema or literature. From 1968 to 1978 we identified in the Portuguese media agenda an increase and diversification of the discourses on intimacy, some of which transgressive of the repressive model promoted by the anterior Portuguese regime Estado Novo and some others claiming for different types of intimate citizenship (Weeks, 1998; Plummer, 2003a). The tendencies of social changes on intimacy were especially noted at certain moments of the decade, on certain public spheres (sensitive to issues of gender equality) and on specific concerns such as pre marital sex, pornography and abortion, topics which enhance higher tension, conflict and dialogue between progressive and conservative perspectives.