Políticas de Comunicação e Liberdade de Imprensa: Análise da Situação Cabo-Verdiana entre 1991 e 2009


Autoria(s): Évora, Silvino Lopes
Data(s)

13/09/2010

Resumo

Depois de 1991, as políticas de comunicação desenvolvidas em Cabo Verde estiveram assentes numa contrariedade entre os planos do discurso e os planos da acção: se a nível discursivo, a liberdade de imprensa foi encarada como o pilar das opções do regime, a nível das práticas da governação um conjunto de acções e inacções dificultaram a implementação de um ambiente de liberdade no seio dos profissionais da comunicação social. Desde logo, o processo de transição de regime empurrou os jornalistas e os actores políticos no poder para uma situação de colisão eminente, resultando numa acumulação de processos judiciais contra os profissionais da comunicação social; também, o monopólio público do sector da televisão, para além de provocar a desregulação do sector – com as autarquias a instalarem antenas parabólicas para satisfazer a população com conteúdos de canais internacionais –, dificultou o pluralismo de opinião, já que sobre a estação pública recaem críticas constantes que apontam para a intervenção dos governos na sua actuação; ainda, regista-se, entre 1991 e 2009, uma política de desinvestimento dos sucessivos governos no sector mediático, relegando-o para um plano secundário das opções de governação. Se, nos primeiros anos da democracia pluralista, houve um aumento significativo do investimento no sector da comunicação social, cedo verificou-se uma quebra do investimento, que não deu espaço aos media estatais para crescerem e contribuírem efectivamente na solidificação do sistema democrático. Na correlação das políticas de comunicação com a liberdade de imprensa, resultam duas fases no percurso de Cabo Verde: a) fase de insatisfação generalizada (sobretudo na década de 90), em que, a par da fraca qualidade dos produtos mediáticos disponibilizados aos cidadãos, os jornalistas e a classe política entraram em rota de colisão; a classe jornalística dividiu-se, passando a haver os considerados ‘jornalistas próximos do PAICV’ e ‘jornalistas próximos do MpD’ (devemos levar em consideração que o MpD e o PAICV são os dois únicos partidos políticos virtualmente ilegíveis na arena política caboverdiana). Assim, a conivência entre os profissionais da comunicação social e os actores políticos fez com que alguns jornalistas passassem a ser apelidados de ‘comissários políticos’; b) fase de satisfação conveniente ou precária: instalou-se depois dos períodos mais conturbados da transição política, sobretudo a partir do início do novo milénio, com a substituição do partido no poder e uma mudança de atitude dos governantes em relação às actividades da comunicação social. A mudança de regime levou a uma redefinição do posicionamento dos jornalistas face aos partidos políticos, passando a haver profissionais que trabalham mais alinhados com o governo e profissionais que trabalham mais alinhados com a oposição. Esta situação resultou de uma má concepção de democracia instalada em Cabo Verde em que os partidos políticos figuram como as únicas entidades que gozam efectivamente de uma liberdade de actuação. Associado aos partidos políticos, encontramos uma concentração de poderes: o poder político (através do escrutínio público), o poder económico (grande parte dos empresários cabo-verdianos nasceram no seio dos partidos políticos que estiveram no governo, o que faz com que haja uma certa politização da vida económica do país), o poder cultural (a maior parte dos intelectuais está associada aos partidos políticos que, quando estão no governo, subsidiam os seus projectos e a sua aspiração de realização pessoal e profissional) e o poder de influência social (quase todos os órgãos de comunicação social nacionais estão conotados com os partidos políticos e a fraca liquidez do mercado publicitário faz com que não haja empresas auto-sustentáveis no sector mediático). Todos esses condicionalismos sociológicos acabam por dificultar a implementação de um ambiente de liberdade no seio da comunicação social cabo-verdiana. Apesar de, hodiernamente não haver uma insatisfação generalizada como na década de 90, a aparente normalidade que se regista na relação entre a classe política e os jornalistas é assegurada por uma informação que evita provocar incómodo nos partidos aos quais os órgãos de comunicação social se encontram associados ou com os quais são conotados. Desta forma, a auto-censura torna-se num mecanismo inibidor da liberdade de imprensa. Assim, encontra-se um jornalismo que, por um lado, procura ser incisivo para o partido encarado como oposição e, por outro lado, é cómodo, domesticado e amorfo para o partido ao qual o órgão de comunicação social em causa se encontra vinculado. Neste caso, não sobram condições para falar-se na isenção das práticas jornalísticas, nem no rigor das mensagens que são difundidas no seio da sociedade. Notamos que as políticas de comunicação adoptadas em Cabo Verde, depois de 1991, não provocaram uma revolução nas práticas jornalísticas. Se antes, os jornalistas eram considerados de ‘comissários políticos’ por se entender que estavam vinculados ao Partido Único, depois da abertura de regime registou-se uma divisão da classe jornalística entre os dois partidos políticos com mais expressão na sociedade cabo-verdiana. Assim, a concepção jurídica da liberdade de imprensa revestiuse de uma formalidade que não encontrou correspondência nas práticas do dia-a-dia dos jornalistas e, desta forma, perdura uma distância entre a concepção jurídico-formal e a concepção jurídico-material da liberdade de imprensa. Muito caminho preciso de ser feito nesta matéria para que a comunicação social possa vir a ser a voz da sociedade

Dispôs di 1991, disenvolvimentu di pulíticas di cumunicaçón na Cabo Verde tem basiadu na um contrariedadi entre planus di discursu e planus di acçón: si a nível di discursu, liberdadi di imprensa foi encaradu comu pilar pa quês opçôns de rigimi, a nível di práticas di governaçón nu podi odja ma um conjuntu di acçóns i omissóns dificulta implementaçón di um ambienti di liberdadi na seiu di profissionâis de comunicaçón sucial. Antis di tudu, prucessu di transiçón di rigimi npurra jornalistas i pulíticus qui staba na puder pa um situaçón di confrontu, qui cába pa risulta num conjuntu di prucessus judiciais contra profissionâis di cumunicaçón sucial; també, para além di desregulaçón di sector – undi qui cambras municipais instala antenas parabólicas p’és satisfazi populaçón cu conteúdus di canais internacionais – munopólio di stadu na sector di televisón dificulta pluralismu di opinión pamodi staçón di televisón di stadu ta recebi muntis críticas qui ta crê fla ma governu ta influencia sês actividadis; també, entri 1991 e 2009, nu ta atcha um pulítica di disinvestimentu di tudu governus na sector di comunicaçón, qui ta caba pa fica n’um planu secundário dentu di opçôns di governaçón. Si na primerus anus di democracia pluralista houvi um aumentu significativu di investimentu na sector di comunicaçón social, rápidamenti investimentu entra em queda, di forma qui ca da spaçu pa meius di cumunicaçón di stadu crisci e contribui ifectivamenti pa solidifica sistema dimocráticu. Na relaçón entre pulíticas di cumunicaçón i liberdadi di imprena, nu ta atcha dós fasis na percursu di Cabo Verde: a) fasi di insatisfaçón generalizada (sobretudo na década di 90), undi qui, para’lém di fracu qualidadi di produtus mediáticus qui cidadóns recebi, jornalistas cu pulíticus entra em conflitu; classi di jornalistas dividi i passa ta tem ‘jornalistas próximus di PAICV’ i ‘jornalistas próximus di MpD’ (ca nu squeci ma MpD i PAICV é quês dós partidus qui tem más chanci di venci ileiçón na Cabo Verde). D’ês manera, cumplicidadi di jornalistas cu pulíticus fazi com que alguns jornalistas passa ta tchomadu di ‘cumissáriu pulíticu’; b) fasi di satisfaçón convinienti ó precária: foi instaladu dispôs di quel períudu más conturbadu di transiçón pulítica, sobretudu a partir di cumeçu d’ês nóvu miléniu, cu substituiçón di partidu na puder i mudança di atitudis di governantis em relaçón a actividadis di cumunicaçón sucial. Mudança di rigimi pruvoca um nóvu pusicionamentu di jornalistas peranti partidus pulíticus i passa ta tem jornalistas qui ta trabadja más na linha di guvernu i jornalistas qui ta trabadja más na linha di oposiçón. Quel situaçón li é resultadu di um mau concepçón di dimocracia instaladu na Cabo Verde, undi qui partidus pulíticus é praticamenti qu’ês únicus qui tem liberdadi plena di actuaçón. Associadu a partidus pulíticus, nu ta atcha um concentraçón di puderes: puder pulíticu (alcançadu através di ileiçón), puder ecunómicu (grandi parti di empresárius cabu-verdianus naci na seiu di partidus políticus qui stevi na guvernu, u qui ta leba um certu politizaçón di vida ecunómicu di país); puder cultural (grandi parti di intelectual sta ligadu a partidus pulíticus qui, horas qui bai pa guvernu, ta patrocin’ás s’ês prujectus e permit’ís rializa pessoal e profissionalmenti) i puder di influencia sucial (quasi tudu órgôns di cumunicaçón sucial di país sta ligadu a partidu i falta di liquidez na mercadu di publicidadi ta fazi com que empresas mediáticus ca ser auto-suficientis). Tudu ês condicionalismus suciológicus ta caba pa dificulta implementaçón di um ambienti di liberdadi na seiu di cumunicaçón sucial na Cabo Verde. Apesar di hoji ca ta verifica um situaçón di insatisfaçón generalizada moda na década di 90, quel aparenti normalidadi qui sta regista na relaçón entri classi pulítica i jornalistas é assiguradu pa um informaçón qui ta ivita pruvoca incómodu na partidus qui qu’ês órgôns di comunicaçón sucial ta conotadu cual. D’ês manera, auto-censura ta torna num mecanismu qui ta dificulta implementaçón di liberdadi di imprensa. Ntón, nu ta encontra um jornalismu qui, pur um ladu, ta procura ser inérgicu cu oposiçón i, pur otu ladu, é cómudu, domesticadu i amorfu pa partidu qui quel órgôn di cucomunicaçón sucial ta conotadu cual. N’ês casu, ca ta sobra condiçóns pa fala na isençón di práticas di jornalismu, nem na rigor di mensagens qui ta divulgadu na seiu di sociedadi. Nu ta nota ma políticas di cumunicaçón adoptadu na Cabo Verde, dispôs di 1991, ca pruvoca um grandi rivoluçón na práticas di jornalismu. Si antis jornalistas era consideradu di ‘cumissáriu pulíticu’ pamodi ta atchada m’ês staba ligadu a Partidu Únicu, dispôs di abertura di rigimi classi di jornalistas dividi entri quês dós partidus pulíticus cu más spressón na sociedadi cabu-verdiana. D’ês manera, concepçón jurídica di liberdadi di imprensa ta obedeci formalidadi mas ca ta corrispondi cu práticas di dia-a-dia di jornalistas. Assi, ta verifica um distancia entri concepçón jurídico-formal i concepçón jurídico-material di liberdadi di imprensa. Munti caminhu inda sta pa ser percorridu n’ês matéria pa qui cumunicaçón sucial podi ser verdadeiramenti voz di sociedadi.

Identificador

http://hdl.handle.net/10961/3665

Idioma(s)

por

Relação

http://hdl.handle.net/1822/10914

Direitos

info:eu-repo/semantics/openAccess

Tipo

info:eu-repo/semantics/doctoralThesis