Casa(l) em construção : uma base teórico-empírica para o desenvolvimento de uma intervenção na transição para a conjugalidade


Autoria(s): Monteiro, Ana Lídia Pires Pego, 1985-
Contribuinte(s)

Ribeiro, Maria Teresa, 1962-

Data(s)

07/01/2015

2014

2014

08/10/2017

Resumo

Tese de doutoramento, Psicologia (Psicologia da Família e Intervenção Familiar), Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia, 2014

Construir uma relação de casal significativa, íntima e duradoira é um desejo intemporal e sem fronteiras espaciais. Especificamente na cultura ocidental, é na faixa etária do jovem adulto que se desenham mais concretamente os contornos das decisões e desenvolvimentos relacionais, edificando os casais as bases da sua relação conjugal, com significativo impacto futuro para a estabilidade e qualidade da nova família (e.g., Arnett, 2001; Collins & Dulmen, 2005). A centralidade das tarefas inerentes à transição para a conjugalidade, acrescidas dos desafios que uma sociedade em grande mudança traz para o casal, tem conduzido a um foco muito intenso de investigação neste domínio, com centenas de estudos sobre variáveis relevantes na relação conjugal, sejam mais pessoais, relacionais ou contextuais, e a um investimento significativo de académicos, intervenientes clínicos e comunitários e mesmo autoridades civis em intervenções preventivas e promotoras da satisfação e qualidade conjugais (Halford, 2011). Uma intervenção psico-educativa que tem reunido muito consenso, quer em contextos governamentais, quer académicos, é a Educação Pré-Conjugal (EPC), uma modalidade de educação relacional de prevenção universal para casais que pretendem assumir um compromisso formal. Os objectivos gerais da EPC são: (i) diminuir a bem documentada erosão da satisfação conjugal que ocorre nos primeiros anos de casamento e reduzir a taxa de divórcio, incidindo nos factores de risco conhecidos, diminuindo o seu impacto, e (ii) promover a satisfação e qualidade conjugal, pela acção nos factores protectores (e.g., Carrol & Doherty, 2003; Laurenceau, Stanley, Olmos-Gallo, Baucom, & Markman, 2004). Esta intervenção tem sido desenvolvida e investigada em vários países ocidentais, e aplicada em contextos variados, mas não é conhecido qualquer projecto de EPC em Portugal, exceptuando o trabalho realizado por organizações religiosas. Consideramos ser este um projecto inovador e muito promissor para uma aplicação em Portugal, cujo início, defendemos, juntamente com outros autores (Adler-Baeder et al., 2004; Morris & Carter, 1999; Storaasli & Markman, 1990; Williams, Riley, Risch, & Van Dyke, 1999), deve 1. estar bem fundamentado no conhecimento dos programas já desenvolvidos e estudados à volta do mundo, 2. estar alicerçado teórica e empiricamente na extensa investigação internacional sobre a formação do casal, e 3. igualmente no conhecimento das realidades nacionais. A presente tese pretende fazer isso mesmo: servir de base teórica e empírica para o desenvolvimento de um projecto de intervenção com casais na transição para a conjugalidade, que seja preventivo e universal. Para tal, procura combinar as três dimensões referidas, revendo a investigação no domínio da conjugalidade e de intervenção na mesma, apresentando os resultados dos estudos empíricos desenvolvidos no corrente trabalho com jovens portugueses, e integrando a discussão de ambos e suas implicações orientadas por modelos eco-sistémicos e segundo as directrizes das melhores práticas de desenvolvimento de programas preventivos. Com um cariz maioritariamente qualitativo e exploratório, são apresentados sete artigos científicos, seis deles referentes a estudos empíricos com a população portuguesa. Estes são fruto de metodologias diversas, incluindo o formato de focus groups, a aplicação de questionários e a realização de entrevistas diádicas a casais. O primeiro artigo, teórico, serve de ponto de partida para a aplicação dos modelos eco-sistémicos no desenho de um programa de intervenção pré-conjugal. O estudo seguinte recorre à metodologia qualitativa de focus groups, e explora as atitudes e concepções dos jovens face às opções de coabitação e casamento. O terceiro e quartos artigos são estudos quantitativos e apresentam a adaptação e validação de dois instrumentos para a população portuguesa, no sentido de integrarem o protocolo de avaliação do programa. Destes estudos de validação, o primeiro contempla as atitudes face ao casamento e confirma a tendência verificada noutros países ocidentais de secularização da transição e de articulação com outras variáveis, como o divórcio parental. O segundo estudo de validação apresenta a adaptação da Escala de Compromisso Pessoal, salientando a pertinência desta variável na compreensão do desenvolvimento relacional e alerta-nos para a diferenciação entre diferentes estatutos relacionais, especificamente a associação de menores níveis de compromisso em uniões de facto face ao casamento, mesmo controlando o tempo de relação. Seguem-se três estudos qualitativos – aqui designados por quinto, sexto e sétimos artigos –, resultantes de entrevistas diádicas a casais. Os quinto e sexto artigos referem-se a vinte jovens casais de namorados que partilham, primeiramente, as suas percepções sobre os temas que consideram relevantes na relação conjugal, como a comunicação e o equilíbrio entre “o eu, o tu e o nós”, e sobre as suas forças (e.g., partilha, amizade, afecto), e, em segundo lugar, reflectem sobre a influência percebida e antecipada de dimensões contextuais na sua relação amorosa, destacando-se atitudes ambivalentes face a técnicos da área de psicologia e a percepção do impacto negativo do contexto económico e político (CEP) actual. O último artigo foca especificamente a transição para a conjugalidade e explora as vivências de dez casais recém- coabitantes ou casados, face aos desafios e alegrias dos primeiros tempos de vivência conjunta. Destaca-se a transversalidade da dimensão de usufruir da relação e de três tensões a ela associadas, especificamente o desafio da falta de tempo para o casal, fruto das exigências do trabalho e das tarefas domésticas, a alegria de uma intimidade reforçada mas o confronto diário com as diferenças mútuas e as necessidades individuais, e, por último, o prazer de uma autonomia e identidade de casal e a articulação com a família de origem e dificuldades na antecipação do futuro relacional. O capítulo final discute as implicações gerais dos resultados dos estudos realizados para o desenvolvimento de um programa de EPC, na sua integração com a literatura revista inicialmente. Desde logo, estes alertam-nos para a diversidade de experiências relacionais e atitudes face à transição para a conjugalidade, desafiando-nos a alargar a população-alvo do programa de EPC, e a ter em consideração a existência de discursos que reflectem riscos relacionais possíveis. Também as atitudes algo negativas face aos técnicos da família e casal, ligadas a questões culturais do país, levam-nos a reflectir sobre os cuidados e intensidade necessários para a divulgação do programa (e.g., enfatizando a dimensão não-clínica do mesmo), componente que poderá, adicionalmente, usufruir da inclusão de alguns temas emergentes das entrevistas com os jovens casais. Estes temas, em articulação com a abordagem teórica eco-sistémica descrita no primeiro estudo, conduzem-nos igualmente a propor diferentes instrumentos dos normalmente incluídos nos protocolos de avaliação destes programas (ou que, pelo menos, não costumam ser combinados no mesmo projecto), assim como uma metodologia mista de avaliação, e a desenvolver um currículo mais holístico e coerente que aborde variáveis individuais, relacionais e contextuais. Algumas temáticas coadunam-se certamente com o que os programas existentes já abrangem, como a comunicação, o conflito e o compromisso, mas os estudos realizados permitem-nos avançar com domínios menos explorados, dos quais destacamos: o papel da família de origem, considerando os equilíbrios entre a generosidade do apoio inter-geracional, os laços e os limites; a influência do CEP e da precaridade e exigências laborais; a dificuldade da gestão do tempo e outras dimensões práticas da vida quotidiana; a centralidade dos afectos, da sexualidade e do apoio mútuo; a necessidade de protecção dos tempos de prazer a dois, no usufruto da criação de uma nova identidade mas na valorização da individualidade e riqueza da diferença; e a relevância das histórias de casal e dos seus valores e projectos de futuro. Algumas considerações são também feitas no que concerne à estrutura e equipa do programa, privilegiando-se as dimensões de flexibilidade, criatividade e colaboração. Por fim, é apresentado o projecto, Casa(l) em Construção, um programa semi-estruturado de apoio a casais na transição para a conjugalidade, e são sugeridos caminhos futuros, de melhoramento e crescimento da investigação e intervenção, nesta área tão fulcral da experiência humana, que é o desenvolvimento de relacionamentos conjugais íntimos e duradoiros.

To build an intimate and lasting couple relationship is a timeless and universal desire. The centrality of the transition to marital life and the challenges that a changing society bring to the couple has led to an intense focus of research in this field, with hundreds of studies on marital processes and on marriage and relationship prevention programs (Halford, 2011), such as premarital education, a universal prevention modality designed to support couples desiring a formal commitment, such as marriage. As an innovative and promising modality, we wish to promote its beginnings in our country, by reviewing theory and empirical studies regarding the transition to marital life and existing programs and by presenting the results of the empirical studies developed with Portuguese young adults. An ecosystemic framework and best practices in the prevention field guide the integration of both dimensions. With a qualitative and exploratory approach, seven scientific articles are presented, with different methodological strategies – focus groups, questionnaires, and dyadic interviews –, and with both dating and newly-wed/cohabitating young adults. The results highlight several dimensions that are central to young couples’ relational experiences, which are consistent with existing research but also call our attention to others less frequently explored, such as the role of the social and political context and the insecurity derived from precarious jobs, but also the intergenerational support within families, the centrality of affection and sexuality, the need to protect pleasurable moments and the richness of developing a new identity as a couple, combining a past story with a common future project. As a result of the transversal reflections and studies developed, we present a semi-structured program, Couple in Construction, to support couples in the transition to marital life, hoping to contribute to such a fundamental domain of human experience, i.e., the development of intimate and lasting marital relationships.

Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)

Identificador

http://hdl.handle.net/10451/15654

101325959

Idioma(s)

por

Direitos

embargoedAccess

Palavras-Chave #Teses de doutoramento - 2014
Tipo

doctoralThesis