Violências na contemporaneidade: etnografia de redes sociotécnicas na Cidade de Chapecó (SC)

O objetivo deste estudo foi investigar os dispositivos que permitem instituir a "violência" na contemporaneidade como uma questão constituinte e mobilizadora de coletivos (para o seu estudo, o seu combate, a sua divulgação, proteção frente à mesma, atendimento às suas vítimas e atendimento ou punição a seus agentes), na cidade de Chapecó. Para esta finalidade, foram utilizados princípios, regras e propriedades metodológicas da Teoria do Ator-Rede, concebida por Bruno Latour, John Law e Michel Callon, que guiaram a etnografia realizada; a Teoria da Sociedade Global de Riscos, proposta por Ulrich Beck, que permitiu compreender configurações contemporâneas; e noções de Michel Foucault, Gilles Deleuze e Felix Guattari que possibilitaram focar processos vinculados às gestões das violências, como a mídia e as tecnologias de vigilância e controle. A violência foi constituída como um artefato da pesquisa e conduziu ao conhecimento dos vários sentidos tomados no espaço de sua circulação. No lugar de tomar uma definição a priori para relacioná-la ao empírico, o estudo optou por uma forma de compreendê-la, com base nos referenciais escolhidos: não como causa, mas como efeito, configurando redes sociotécnicas que articulam diferentes elementos; não um reservatório que forneceria automaticamente uma explicação, mas o resultado final de um processo, que envolve mediadores em sua fabricação. A pesquisa foi realizada em Chapecó, cidade de porte médio, localizada no Oeste de Santa Catarina, diferenciando-se dos grandes centros urbanos, nos quais as violências vêm sendo predominantemente estudadas. O trabalho de campo englobou diferentes momentos (2004, 2005 e 2006) e trilhou diferentes caminhos para a coleta de indicadores. O primeiro investigando histórias da cidade e região com ênfase nos estudos referentes a situações que ficaram marcadas como violentas. O segundo observando a cidade como um todo, tendo em vista eventos, atores e coletivos que se constituíram vinculados à categoria violência. O terceiro focando e descrevendo cinco eventos contemporâneos específicos vinculados às práticas violentas, à gestão das violências, à produção de segurança e à mídia escrita de Chapecó. A amplitude e a diversidade, abrangidas pela etnografia, evidenciaram que as configurações das práticas violentas se constituem conectadas aos processos de inscrição dessas práticas, aos processos de tradução das categorias que as definem e as estratégias de gestão das violências, que implicam em tecnologias de vigilância e controle. As múltiplas entradas para abordar o tema fizeram ressoar as misturas que envolvem a sua discussão, a infinitude de variáveis em jogo e a multiplicidade que compõe as violências. Os eventos estudados tornaram perceptível a trama de redes que constituem a violência no município, redes que disputam e fazem alianças, conectando uma diversidade de actantes que as fabricam cotidianamente. Dessa forma, a violência não deve ser delegada a alguns atores apenas, mas pode ser compreendida como efeito de redes sociotécnicas extensas que articulam diferentes actantes, a partir dos vínculos que os ligam, da tradução dos interesses que os unem e dos traços que inscrevem os seus deslocamentos.

This researchs main objective was to investigate the means by which violence can be instituted in contemporaneity as a question constituent and mobilizer of collectives (for its study, combat, divulgation, protection against it, support to the victims and attention and punishment to its agents) in the city of Chapecó. For this finality were utilized principles, rules and methodological properties of the Actor-Network Theory conceived by Bruno Latour, John Law e Michael Callon, who guided the accomplished ethnography; the Global Society of Risks Theory proposed by Ulrich Beck, which allowed one to comprehend contemporaneous configurations; and notions of Michael Foucault, Gilles Deleuze and Felix Guattari, which made possible to focus processes entailed to violence management, like the media and the vigilance and control technologies. The violence was constituted as an artifact of research and conducted to the knowledge of several meanings taken in the space of its circulation. Instead of using a definition a priori to relate it to the empirical, this study opted for a way to comprehend it based on the chosen referential: not as a cause but as an effect, configurating socio-technical networks that articulate different elements; not a reservoir which would automatically provide an explanation but the final result of a process that involves mediators in its fabrication. This research was conducted in Chapecó, a medium size city, located in the west of Santa Catarina State, differentiating from other urban centers where violence has been predominantly studied. The fieldwork involved different moments (2004, 2005 and 2006) and explored different means to collect the indicators. The first one was to investigate histories of the city and region, emphasizing studies related to situations marked as violent. The second was to observe a city as a whole, focusing events, actors and collectives that were constituted entailed to the category violence. The third one was to focus and describe five specific contemporaneous events entailed to violent practices, violence management, production of security and the written media of Chapecó. The amplitude and diversity enclosed by ethnography evidenced that the configurations of violent practices are constituted connected to the inscription processes of such practices, to the translation processes of the categories that define it and the violence management strategies which imply control and vigilance technologies. The multiple ways to approach the issue enlightened the mixes that involve its discussion, the infinitude of variables that are in steak and the multiplicity that compose the violence. The events studied made perceptible the networks that constitute the violence in this city, networks that dispute and make alliances, connecting a diversity of actors that fabricate it every day. Thus, the violence should not be delegated to a few actors only, but can be understood as an effect of wide socio-technical networks that articulate different actors, from the bonds that connect them, the translation of interests that unite them and the features that inscribe its dislocations.